domingo, 6 de setembro de 2009

A PRIMEIRA LIÇÃO ARCANA



Chovia muito naquela noite, uma tempestade torrencial...
Eu morava em uma pequena torre feita de pedras negras e enrugadas, bem afastada da vida cotidiana nas vilas. Apesar da falta de contato com os outros, gostava daquela vida. Afinal, não podia reclamar...
Fui abandonado quando criança por meus pais, perto desta mesma torre. A vida era bem mais difícil naquela época, pois a fome atingia a todos os camponeses e as condições das águas nos poços eram precárias, o que deixava a maioria deles doente e prestes a receber o abraço dos frios dedos da morte. Na esperança de que o velho sábio cuidasse de mim meus pais me deixaram aqui. Ele, então, me acolheu.
Por poucas vezes perambulei pela vila vizinha, um lugar bom para se viver hoje em dia. As pessoas o conhecem apenas como o Velho Arcano, e com certeza não o temem menos do que temeriam a um dragão negro ou lorde tirano. Sua reputação nunca foi das melhores nos arredores de Brieltar, e é exatamente isto que me dá mais prazer em viver nesta torre mal acabada. A mera menção de seu nome, para os habitantes desta vila, é sinônimo de maldição, morte, medo. Para eles, ele é apenas um mito, usado para assustar crianças ou para fazerem-nas ir logo para a cama. Para mim, ele existe realmente, e tenha certeza que este medo não é em vão. Seu poder é grandioso, e eu, há vinte e três invernos, tenho a honra de tratá-lo como pai. O verdadeiro pai que foi para mim.
Apesar de ser um pai rígido, e às vezes um pouco rude, eu o amei de coração. Tudo o que hoje sei, a ele devo. Lembro-me claramente quando o ensinamento começou. Eu limpava a biblioteca, há treze invernos passados. Meu pai, ou o Velho Arcano, como preferir, havia saído para uma reunião com seus velhos companheiros. Pertencia a um grupo de arcanos que denominavam sua organização como a Ordem Arcana da Umbra. Suas reuniões eram realizadas sempre ao cair da noite, em uma floresta perto de nossa torre.
Ele já estava fora por algum tempo, e eu limpava a biblioteca sempre quando estas reuniões aconteciam, para que pudesse chegar e estudar confortavelmente. Ao arrumar os livros nas prateleiras um deles, empoeirado e de aparência velha, com uma capa de cor negra, feita de couro bem duro e resistente, chamou minha atenção. Tinha uma dobradiça enferrujada, que o prendia de forma que não pudesse ser aberto. - “O que haveria de tão importante nas suas páginas para que meu pai não quisesse que fosse lido?” - me questionei.
Com os dedos trêmulos, o coração batendo forte, e um longo suspiro, retirei a camada de poeira que o cobria. Escrito em relevo, na cor prateada, estava a palavra Grimoire. -“O que esta palavra significa?” - pensei comigo mesmo.
- “Significa que você quer saber o que não lhe diz respeito, meu curioso filho!” - respondeu a voz de meu velho pai à minha retaguarda. Rapidamente me virei, tentando inutilmente esconder o livro às minhas costas. Pensei, em rápidos segundos, como ele respondera a uma pergunta que havia sido formulada em minha mente. - “Será que podia lê-la como eu estava para ler aquele livro em minhas mãos?” – me questionei novamente.
- “Sim, eu posso preceder o que pensas meu envergonhado filho, mas não pense que está apto a ler o volume que se encontra em suas mãos.” - ele respondeu. - “O que se encontra nestas páginas, por enquanto, está além de seu entendimento, e se quiser um dia abrí-lo deverá fazer por merecer, mediante estudo constante e dedicação”.
Após estas palavras, e pela expressão de seu olhar, eu percebi qual era o objetivo daquilo tudo. - ”Sim pai, eu me habilito a seguir seus caminhos, e não me contentarei em apenas criar algumas luzes brilhantes ou fogo ilusório nas mãos. Quero os maiores segredos que guardas!”- repliquei firmemente.
- “Parabéns meu filho, tomastes a decisão correta. Mas não penses que será fácil, pois um longo e árduo caminho deverás seguir. Agora, coloque de volta este livro onde encontrou e venha dar um forte abraço no seu velho pai”.
Depois de tantos anos de convivência era a primeira vez que eu o abraçava. Até hoje me lembro do aperto suave do corpo magro e esguio coberto por vestes largas, frio em razão das gotas que caíam lá fora.
- “Vá descansar meu filho. Amanhã, ao acordar, realize seus afazeres e então termine de limpar a biblioteca. A primeira regra de nossa lição foi aprendida hoje. Não lide com aquilo que não conhece, pois não será capaz de controlar”.
Após ouvir aquelas palavras um calafrio tomou meu corpo. Assim que o velho arcano deixou o recinto uma súbita chuva despencou do céu, e continuou a cair durante o resto da madrugada.
Choveu muito naquela noite, uma tempestade torrencial...



2 comentários:

  1. Oi Felipe!

    Novamente venho ao seu blog, mas dessa vez com uma proposta. Como sabe, eu sou autor do RPGS, e estou procurando novos escritores para se unirem a mim no site. Talvez você recuse por já escrever no Terras Lendárias, mas a minha intenção é que você passe a escrever os textos que publica aqui no RPGS, ao invés de como faz atualmente. Quero unir vários autores no meu blog para, além de aumentar a frequência das postagens, aumentar o dinamismo das histórias (veja meu primeiro post explicativo).

    Se concordar, me avise para que lhe envie uma mensagem com o pedido para que possa se tornar autor do RPGS. Meu e-mail é tulicloure12@yahoo.com.br, caso queira se comunicar. O que acha da idéia? Acredito que seria proveitoso para nós dois.

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  2. Aliás, já lhe enviei uma mensagem para aceitação ao seu e-mail do yahoo, caso concorde em se unir ao RPGS.
    =)

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