sexta-feira, 18 de setembro de 2009

OS VIAJANTES SECRETOS PARTE IV

No último post Serin e Lilnen chegaram a um pequeno aglomerado de civilização, cujo nome, conforme uma placa, era Ghuldan. Eles não têm dinheiro algum e, pior do que isso, não fazem a menor idéia de onde estão... cabe a Serin, o grande ladino, resolver esses novos problemas que se desdobram para continuar o caminho que leva ao Templo da Aurora.




Mapa da região oeste de Valsegaard


OS VIAJANTES SECRETOS PARTE IV


Serin avistou várias pessoas andando aleatoriamente, carregando caixas ou conduzindo cavalos puxando carroças de carga. De perto o local não parecia ser tão rústico como havia pensado inicialmente, e já estava até mesmo se acostumando ao ambiente, tanto que esboçou um sorriso ao ver uma aglomeração de pessoas pelas ruas de terra úmida. - Um prato cheio para o grande ladino Serin. – disse para si mesmo.

Algumas crianças brincavam em um canto próximo de uma edificação totalmente construída em madeira, que tinha pendendo sobre a porta uma placa colorida que revelava se tratar de uma estalagem. Saindo de perto do iunar, Lilnen se dirigiu até as crianças enquanto olhava fixamente para a pequena bola que elas arremessavam umas para as outras. Há mais de vinte dias ela sequer havia parado em qualquer cidade, temendo que os agentes de Siranan descobrissem o seu paradeiro. Durante esse mesmo lapso temporal não vira uma imagem bonita como aquela que estava diante dos seus olhos. Estava a todo momento correndo, dominada por uma tensão e um medo que chegavam a machucar o seu coração.

- Olá crianças! - disse, se dirigindo a todo o grupo enquanto acariciava o cabelo de uma das meninas. Os infantes, que estavam em sete, sendo quatro deles meninos, olharam para ela com um olhar de admiração, com olhos cristalinos que passavam uma inocência inconfundível. As faces de todos estavam um pouco sujas, com formas de dedos finos e pequenos de lama seca, mas a beleza do tom corado devido ao frio que incidia nas bochechas sobrepujavam essa sujeira.

Apesar de ter também a pele clara, era perceptível que Lilnen não era dali, pois sua face não demonstrava as marcas das terras frias de Valsegaard. No entanto, as crianças não eram capazes de distinguir esta característica, e logo uma delas inquiriu: - De onde você vem? Da ponte leste? - Lilnen imaginou que este devia ser algum lugar do vilarejo, e prontamente respondeu ao menino:

- Não querido. Eu não sou daqui. Venho de uma terra distante, além do mar congelado. Eu não sei o nome deste lugar, e talvez vocês poderiam me ajudar.

Assim que o disse Lilnen se lembrou da face preocupada de Serin, que durante todo o caminho dizia que eles não podiam ser descobertos. Esta informação poderia ser bastante útil para os agentes de Siranan, mas preferiu confiar na inocência das crianças que a fitavam atentamente.

- Esta é a vila de Ghuldan. O que você veio fazer aqui? - disse uma das crianças, que segurava entre os braços a bola que jogavam.

- Nada demais, vamos dizer que eu vim apenas para brincar com vocês. Vamos, joguem a bola para mim - disse estendendo os braços para receber a bola arremessada pelo menino. Isto feito, permaneceu ali, brincando com aquelas crianças como se fosse uma delas. Sentiu um alívio se espalhar pelo corpo, pois aquilo tudo fazia com que se lembrasse da infância, quando tudo era tranqüilo e passeava nos bosques de Lynph brincando durante todo o dia. Há muitos dias Lilnen não se sentia desta maneira, e sua felicidade interior dominou todo o medo que sentia, que perdurava desde a fuga de sua terra natal.

- Ei Lilnen, fique aqui enquanto eu vou andar por aí para conhecer a cidade. Não saia até eu voltar. - disse Serin tentando entender o motivo dela estar fazendo aquilo. As crianças estavam tão vidradas na imagem de Lilnen que nem perceberam a presença do iunar, um ser provavelmente estranho e incomum para elas. Ela, por sua vez, estava tão concentrada nos seus pensamentos que apenas respondeu secamente. Para ele o fato dela permanecer ali apenas ajudaria, pois ficaria mais fácil de agir, sem precisar esconder o que estava fazendo.

Assim, Serin saiu em direção ao movimento de transeuntes que havia visto ao longe, observando cada centímetro do vilarejo para poder fugir se fosse descoberto. As casas de madeira úmida dificultariam bastante um furto de residência ou até mesmo uma escapada, pois sem equipamentos adequados e com a superfície escorregadia teria dificuldades em escalar. Restava, portanto, furtar bolsos como única alternativa. Uma atividade que rendia lucros pequenos, principalmente em um lugar como aquele, mas era aquela em que o ladino se destacava com maior perícia, fruto de anos vivendo no mercado de Gelendral.

Chegando ao local ele encontrou uma grande praça de chão ladrilhado com pedras manchadas em tons de cinza variados. Logo constatou que aquele era o mercado local, pelas conversas entre as pessoas e a aglomeração de tendas, caixas e mercadorias variadas em todos os cantos. Ao que parecia tudo o que estava sendo vendido veio através da embarcação na qual ele e Lilnen navegaram clandestinamente, pois certos itens certamente vieram do sul, como uma estátua de madeira representando um draconiano ou uma espada com a marca do exército de Sauroth. Serin movia os olhos com velocidade, escondido sob um capuz, e tinha uma grande facilidade para perceber detalhes nos itens e objetos ao seu redor, uma aptidão adquirida durante a vida de golpes que levou na cidade natal.

Durante mais ou menos a metade de uma hora andou por toda a praça de comércio, analisando tanto itens quanto pessoas, escolhendo a oportunidade correta. Conversou com vários habitantes, e no meio das multidões confusas tentou se apropriar de algumas moedas das algibeiras presas nos cintos dos mais incautos. Por fim, conseguiu onze moedas estranhas feitas com um metal que parecia cobre, porém mais escuro, e também outras três que lhe eram familiares, comuns em todas as nações do continente de Rháurian. Os craves, maneira pela qual o dinheiro era denominado naquela terra, se assemelhavam aos ýrgs, mas demonstravam a falta de uma marcação ou qualquer outra peculiaridade. Os três ýrgs que conseguira tinham a marca da Casa de Cunhagem de Gelendral, e logo Serin percebeu que as atividades comerciais entre as terras do sul e Valsegaard eram bem mais freqüentes do que imaginava.

Estava insatisfeito, pois aquele dinheiro não seria suficiente para que pudessem passar alguns dias com tranqüilidade. Além de tudo, era bastante autoconfiante e demandava mais de si, se considerando capaz de conseguir algo melhor do que simples quatorze moedas. E realmente o iunar ladino era plenamente capaz.

Ao rodar pela praça do mercado teve sua atenção voltada para uma tenda na qual um mercador gordo e com uma barba longa vendia pedras preciosas variadas. Assim que a viu se aproximou, tentando não deixar evidente o seu sangue hákan, algo um pouco difícil por estar sob a luz do dia. - Bom dia caro amigo. Estou interessado em uma destas... pelos deuses, que bela pedra... - ele disse pegando uma pedra redonda, feita de um mineral de tonalidade verde escura que nunca havia visto na vida. - ... eu nunca havia visto tantas nessa região. Minha senhora reclamava que não encontrara nada por aqui que fosse digno de sua atenção ou de suas riquezas, mas acho que ela não havia passado por esta parte da feira ainda. – Serin completou enquanto pegava outras pedras, tentando dar um ar eloqüente à sua fala.

O homem o observava com uma leve expressão de felicidade. Por sua vez, ele fazia o mesmo, com os olhos dissimulados pelo manto esperando o momento correto de pegar alguma das jóias. As duas orbes amarelas e fendidas passavam rapidamente por toda a tenda, buscando pedras parecidas que pudessem enganar a visão do comerciante.

- Você veio da caravana de Saubher? Soube que alguns nobres estão nela para comprar as mercadorias que chegaram das terras do alem-mar. - perguntou o mercador, com uma voz rouca e grossa que a princípio assustou Serin.

- Sim, vim de Saubher, acompanhando minha senhora. Terlendir de Asiran. Ela possui muitas riquezas, e quando não consegue algo de seu agrado para comprar fica com um humor terrível. Você, provavelmente, além de se tornar um homem rico, vai me salvar de uma tempestade de insultos e grosserias quando ela pregar os olhos nestas jóias. – ele respondeu enquanto continuava averigüando as preciosidades, disfarçando a direção do olhar com o capuz.

- Bem, acho que ela vai gostar destas opalas marinhas, colhidas nas distantes costas do norte daqui. - disse o mercador bem mais empolgado, vislumbrando a grande possibilidade de negócios que estaria por vir. - Estas aqui são chamadas de cristais de neve, e podem render brincos bonitos ou adornos que cintilam quando atingidos pelas luzes. - completou, mostrando ao iunar um grupo de cristais de cor branca muito bonitos.

- Sim, muito belas estas preciosidades. Mas olhando bem, acho que ainda é pouco para minha senhora. Vou procurá-la, ela deve estar por aí esperando que eu leve boas notícias. Infelizmente não as levarei. - disse Serin em um tom de desapontamento, que atiçou ainda mais as pretensões de venda.

Enquanto falava e segurava nas mãos o grupo de pedras ele deixou que uma delas escorregasse entre os seus dedos, que não voltaria para a barraca quando fossem colocadas novamente no lugar. Sua habilidade manual era incrível, e facilmente escondeu a pedra em um bolso no manto. Percebendo que poderia perder a freguesia e empolgado com a história do iunar, que sempre era usada nos seus golpes em Gelendral, o mercador logo respondeu às palavras desanimadas que acabara de ouvir:

- Não, não faça isso. Tenho certeza que sua senhora vai gostar das pedras que tenho aqui, que serão com certeza dignas de seu bom gosto e agrado.

Ele se abaixou na tenda, procurando algo que Serin não podia ver. Uma caixa grande foi colocada sobre a mesa de amostras, e quando aberta revelou outras quatro caixas metálicas adornadas. Ele logo pensou que ali dentro deveriam estar pedras muito valiosas, e se animou, pois o fato de estarem dentro de uma caixa seria suficiente para que ganhasse alguns segundos antes da remoção ser percebida. - Bem, olhe bem para estas pedras meu caro, pois não encontrará nenhuma delas em qualquer outro lugar. Tenho certeza que sua senhora ficará feliz em vê-las, pois são valiosas e raras, e farão dela a mulher mais bela dos bailes da nobreza de Saubher.

Serin viu uma chance perfeita para conseguir algo bastante valioso. Os mercadores geralmente não deixavam os clientes tocarem por muito tempo as mercadorias, mas aparentemente aquele não tinha muita experiência. Ele vibrou, no seu íntimo, pedindo aos deuses que todos os mercadores de Valsegaard tivessem aquela conduta negligente. Para o seu azar a história não era bem assim, e toda aquela liberdade era apenas em decorrência da história convincente que fez o comerciante se interessar bastante pelo negócio.

Quando a primeira caixa foi aberta um belo rubi lapidado foi revelado. O iunar se espantou com a beleza da pedra, e também com o fato de estar sendo comercializada ali, em um local aberto. - Agora sim a viagem de minha senhora desde Saubher valerá a pena. O que você tem nas outras caixas para me mostrar? – ele disse sem tirar os olhos da preciosidade, se contendo para não tentar pegá-la e correr entre a multidão.

Antes da resposta uma grande balbúrdia começou a acontecer no meio da feira, provocada pela passagem de um monte de carroças e pessoas. Serin olhou para ver o que estava acontecendo, constatando que provavelmente deveria ser uma caravana se aprontando para partir. - Para onde estas pessoas estão indo? - ele perguntou, voltando os olhos para as outras caixas.

- Não sei ao certo, mas acho que estão se aprontando para viajar até a vila de Hastur e depois continuar seguindo para o norte.

Uma segunda caixa foi aberta, desvendando uma pedra muito semelhante à que o iunar acabara de surrupiar. - Este é um cristal de neve, porém, como pode ver, ele foi lapidado e transformado nesta bela peça. Um trabalho digno dos mais hábeis joalheiros em todo o mundo.

Naquele momento o ladino viu uma chance única de conseguir a pedra, talvez o item de maior valor que conseguiria afanar em toda a vida. Lithlen havia sorrido para ele naquela manhã. – Dizem também que é bastante utilizada por magos para conjurar poderes arcanos maravilhosos e alimentar suas armas mágicas.

Além de ser movido pela necessidade e pela beleza da pedra, se motivou também pelo desafio da ocasião, que exigia uma rapidez enorme com as mãos. - Posso ver esta pedra de perto? – ele perguntou enquanto procurava no bolso a pedra furtada, colocando-a entre os dedos. Após um aceno de cabeça positivo Serin pegou a caixa nas mãos, segurando-a na altura da barriga enquanto olhava para a jóia.

- Acho melhor nem tocar, de tão frágil que aparenta ser. É melhor que eu a veja dentro da caixa mesmo. - ele disse, olhando ao redor procurando algo que pudesse distrair o mercador. - Esta pedra à sua direita, perto das verdes, qual é o nome e o seu valor? - ele perguntou, tentando desviar o olhar do homem, que permanecia à sua frente de braços cruzados.

O breve momento que o mercador utilizou para olhar sobre quais pedras o iunar perguntava foi suficiente para que ele pudesse agir. Serin, com apenas uma das mãos, rapidamente deixou a pedra menos valiosa rolar para dentro da caixa, e quando o mercador já voltava seu olhar para responder à pergunta o cristal de neve lapidado foi captado entre seus dedos peludos. - Esta é uma opala manchada, uma pedra normalmente encontrada nas terras do sul. - respondeu o mercador enquanto Serin olhava para baixo tentando esconder a tensão e o nervosismo.

Ele virou a caixa para a direção do mercador fechando-a rapidamente, mas de maneira que pudesse perceber que a pedra ainda estava lá dentro. Como elas eram semelhantes ele nem notou a diferença ao ver o vulto branco da jóia que descansava no seu interior. - Bem, pelo que conheço da minha senhora esta pedra vermelha com certeza será a que mais lhe agradará. Por favor, não saia daqui, pois como disse o senhor será a minha salvação. Esta praça é muito grande, e será difícil encontrá-lo novamente.

O mercador pegou a caixa nas mãos, e Serin temeu por um momento que ele a abrisse. Isto não aconteceu, e quando o iunar já se virava para ir embora o homem disse: - Não vai querer olhar as outras caixas senhor? As pedras são também muito belas, e podem ser do agrado da nobre senhora.

Ele segurou as pernas no lugar tentando disfarçar o nervosismo, pois o humano ainda estava com a caixa nas mãos. - Não, assim vou perder muito tempo. Trarei minha senhora aqui, e ela poderá ver com os próprios olhos. Até logo. - Serin disse e se virou rapidamente, dando as costas enquanto respirava ofegante.

Caminhando com velocidade e tentando ser discreto, apressou o passo, e após alguns metros andados ouviu a voz do mercador novamente gritando: - Ei você aí...

Seu coração palpitou forte, e um turbilhão de pensamentos vagueou em sua mente em um mesmo instante. Serin olhou rapidamente ao seu redor, mas nada ali poderia dar uma boa cobertura para uma fuga. A única opção seria correr, mas as pessoas logo perceberiam que estava fugindo de algo. Respirando fundo, se virou para a tenda de onde o mercador chamava, escondendo o temor por debaixo do capuz...

- Fui descoberto. - ele pensou...


7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Felipe, não sei se você viu, mas deixei um comentário na Lição Arcana que preciso de uma resposta. Por favor, olhe lá.

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  3. Olá,
    Cheguei aqui por acaso, li boa parte do teu texto e gostei. Não é uma maravilha, mas está bem organizadinho... só no começo acho que tem uma gafe... "dizeres que não podiam ser vistos daquela distância..." se os dizeres não foram vistos, fez errado em comentar a existência deles...
    Abraços

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  4. É, de fato... o que eu quis dizer era que de longe ela conseguia ver que se tratava de uma placa com alguma coisa nela escrita, mas não conseguia identificar o que especificamente em razão da distância...

    Obrigado pelo comentário... tentarei fazê-lo se tornar uma "maravilha"... rs

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  5. Túlio,

    eu vi o email cara... tô meio sem tempo pra responder pq tô faznedo prova da OAB e minhas semanas estão frenéticas... semana que vem coloco tudo nos conformes...

    Abraços!

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  6. Oi, bem vindo à Campanha, mas só pesso que você não diminua a imagem, e coloque o link direto nela.

    (na caixa de imagem desmarque a opção 'reduzir para ajustar' e baixe a imagem. e o link vc coloca no espaço acima da própria imagem.)

    ^.^
    Depois deixa um aviso lá em Fantas.

    Bjo

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  7. Olá, estou mandando essa mensagem para todo mundo que apresentou interesse em fazer parte da sociedade Indie (lá no redninjapress).

    Montei um grupo pra facilitar as conversas de todo mundo e centralizar os sistemas. Segue o link -> http://groups.google.com.br/group/sociedade-indie

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